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Arquitetos: Álvaro Fernandes Andrade
- Área: 8000 m²
- Ano: 2008
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Fotografias:Fernando Guerra | FG+SG
Do arquiteto.Os princípios e estratégias para o Centro de Alto Rendimento de Remo do Pocinho consolidaram-se, durante o processo de projeto, como derivados de uma mistura densa e indestrinçável entre a especificidade e identidade de uma pré-existência, de um "Sítio" particular; as características e exigências de um Programa muito recente; e as vontades/necessidades próprias do ato de arquitetar.
Se nos socorrermos de referências que nos são mais próximas como as de Fernando Távora (do qual ainda tive a felicidade de ser aluno no meu primeiro ano de faculdade, e último em que este nosso saudoso mestre deu aulas na FAUP) em articulação com o muito que pensou, disse e (pouco) escreveu Siza Vieira (mas melhor desenhou e projetou), este “Sítio” deve ser entendido de uma forma o mais abrangente possível, nas suas múltiplas e diversas aceções, em particular como “coisa” cultural. Ainda mais, acrescente-se, neste caso da paisagem do Vale fluvial do Douro como Património Mundial, decorrente da específica expressão ancestral da intervenção/transformação do homem naquela paisagem.
Para as exigências de um programa muito recente, como é este das instalações desenvolvidas especificamente para o treino e condicionamento de atletas de elevado desempenho, de atletas de nível olímpico, não há, ou há muito pouco, como dizia Sting há uns anos atrás, “historical precedent to put the words in the mouth of the president”. O que, de uma forma geral, para um arquiteto apenas torna mais aliciante o desafio de projeto. Foi este o caso.
Relativamente às vontades e/ou necessidades de projetar (não fosse a Arquitetura, também, um ato consciente de vontade e de contemporaneidade) estas por sua vez também se jogaram entre algumas “pré-existências” (como a de assegurar a Mobilidade e Acessibilidade para Todos e o caráter central de valores de Desenvolvimento Sustentável); e as que se manifestaram ao longo do processo de projeto, como foi a de procurar resolver um programa extenso (8.000 m2 / 84 quartos / cerca de 130 utentes), com perspetivas de expansão futura (até 11500m2 / 170 quartos / cerca de 225 utentes – numa possível subsequente fase de expansão da zona de alojamento – nas peças desenhadas representado a cinzento mais claro), sem um exagerado impacto volumétrico e paisagístico.
Na complexa interação gerada entre os fatores acima referidos, a decisão de estruturação do programa em três componentes fundamentais (Zona Social, Zona de Alojamento e Zona de Treino), fundiu-se com a (re)interpretação de dois elementos da construção secular da paisagem duriense: o omnipresente socalco, uma recorrente forma de "habitar" este marcadamente declivoso vale (leia-se aqui “habitar” como “extrair o pão da terra”); e os grandes volumes brancos das grandes unidades construídas na paisagem, em particular os das grandes quintas de produção vinícola, formalmente complexos e volumetricamente diversos (muitas vezes resultantes de uma construção ao longo do tempo, decorrentes da sucessiva (re)formulação das exigências da atividade agrícola).
Entre estes dois elementos, socalcos e aglomerados construídos (e entre ambos e o rio, muitas vezes), ligações bruscas, tensas, a rasgar cotas, rampas íngremes e escadas entre muros, geralmente a céu aberto, aqui encerradas face às necessidades do programa.
Mas está também, essa escolha de estruturação / separação do programa em três zonas distintas, ao serviço da procura de colocar nas mesmas cotas os grandes tempos de permanência, reduzindo ao máximo possível as deslocações de cota. Algo que com certeza também não será estranho à história da transformação física e espacial deste vale, e que agora, apenas, procuramos reinterpretar.
O acima exposto é também uma expressão do entendimento típico da História da Arquitetura na Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto… não como um fim em si mesmo, como algo estanque no passado, mas acima de tudo como mais um elemento que se traz para cima do estirador / computador, de forma articulada com os restantes problemas de projeto.
Recomenda-se a viagem de 3 horas por via-férrea entre o Porto e o Pocinho na qual, principalmente a partir da Régua, esta história se vai desvelando no ritmo dolente do comboio.
Concorrentemente o conjunto de opções assumidas / adotadas já referidas permitiu ainda conjugar de forma mais articulada princípios de gestão passiva da energia do edifício. Na zona de quartos, com períodos de maior permanência e com atividades físicas menos intensas, reduz-se a “pele” exposta ao exterior, encosta-se, semienterra-se no terreno (tal como os esquimós fazem com os igloos). As coberturas verdes reforçam o isolamento, material e simbólico. Complementando esta procura da energia solar passiva, os quartos expõem claraboias a sul, procurando o sol, uma vez que a vertente de implantação de todo o edificado é virada a norte. As paredes interiores dos quartos em betão aparente reforçam simultaneamente o sentido de “terra”, de “lar”, de proteção, desta componente do programa; e a otimização das possibilidades de armazenamento da energia solar térmica captada através das claraboias. Que no muito calor do Verão duriense se sombreiam pelo exterior.
Como bónus, das camas vêem-se as estrelas. E em conjugação com as necessárias janelas, e desejada iluminação natural ao longo dos corredores de acesso aos quartos, permite-se que, do exterior, os socalcos de xisto, e as suas respetivas coberturas “flutuem”, rejeitando, de forma consciente qualquer mimetismo direto. Mesmo a irregularidade da planta nesta zona de quartos, mais do que contribuir para uma qualquer “ironia” do mimetismo, está ao serviço da articulação entre uma componente sistematizada e repetitiva do programa (as células dos quartos), e a necessidade de uma grande proximidade destes com zonas diversas. Estas zonas destinam-se quer ao apoio mais direto da vivência dos quartos (pequenas copas, pequenas zonas de convívio, lavandarias de uso individual,…) quer a outras, variadas, exigências programáticas (áreas técnicas, zonas de equipamentos, de arrumos, …). Desempenha ainda, a referida irregularidade da planta, um papel no jogo entre repetição e identidade, fragmentando o longo espaço e visualidade de longos corredores indiferenciados, pontuando-o com limites de perspetiva e espaços únicos e irrepetíveis ao longo do seu desenvolvimento.
No entanto, e mesmo face ao exposto, esta articulação de condições e opções de projeto não deixa de permitir que a componente quantitativamente mais significativa do programa se possa “diluir” no terreno/paisagem; e também que a desejada futura expansão do número de quartos do Centro (representadas a cinza mais claro nas peças gráficas que acompanham o texto) se possa vir a processar sem grandes perturbações das lógicas gerais do projeto (até porque este foi já desenvolvido tendo em conta a perspetiva de possível ocupação máxima do terreno).
Acrescente-se ainda, no espaço de referência a esta componente do programa, que apesar da exiguidade da área de cada um dos quartos, estes foram desenvolvidos para que todos os que estão construídos à cota do corredor de acesso permitam a sua ocupação por atletas em cadeira de rodas. Apenas retirando e colocando os respetivos apoios em cada um dos wc’s desses quartos, permite-se que os atletas com condicionantes físicas possam escolher os quartos onde querem ficar, que possam ficar integrados nas mesmas áreas que o resto das suas equipas, sem os remeter para uns quartos específicos, nuns cantos convenientes, nuns “quartos para pessoas com deficiência”.
Assim definida a estruturação e modulação do terreno, do sítio e da componente programática de “alojamento”, as outras duas grandes áreas do programa (Zona Social – refeitório, bar, sala de convívio, biblioteca, auditório… – e Zona de Treino – Ginásio, Piscina de apoio, Balneários, Gabinetes médicos e de treinadores…), de funções mais dinâmicas, mais "produtivas", impõem-se na paisagem desenvolvendo-se ao longo da estabilização de algumas cotas como grandes volumes brancos, formalmente diversos e volumetricamente complexos.
Assumindo uma linguagem e uma expressividade próprias, surgindo como as componentes de maior visibilidade, manifestam o sentido de projecto e transformação, contrapondo-se à "timidez" dos socalcos. Desenvolvidas em conjunto com a investigação sobre as características e as necessidades espaciais de cada uma das componentes programáticas, procuram encontrar a especificidade da relação destas com o lugar.
As zonas coletivas de permanência, descanso e relaxamento conquistam as cotas altas e contemplam a paisagem. As de treino e esforço, voltam-lhe as costas, na procura de correspondência a lógicas de esforço e concentração, que os atletas de alto desempenho conhecerão como poucos.
Desenvolvem também, em conjunto com estas especificidades, diferentes relações com os princípios enunciados, em relações de causa e efeito interdependentes. A complexidade formal articula o desenvolvimento de uma imagem específica com, por exemplo, a liberdade de controlar a exposição solar dos envidraçados entre o Verão e o Inverno, ou o Nascente e o Poente. Ou seja, a aparente aleatoriedade do devir das formas, procura garantir uma exposição direta dos envidraçados ao sol de Inverno e o seu sombreamento face ao agoniante calor do Verão. Igualmente se procura que estas articulações sejam consequentes com as particularidades do sistema construtivo desenvolvido, elemento indissociável das questões de linguagem que se colocam em jogo. Entre as fachadas e coberturas ventiladas ou o duplo isolamento térmico, e um sistema de “construção a seco” que procura questionar o ciclo de vida dos materiais e a inevitável demolição e, assim possível, desmontagem e recolha seletiva de matérias do Centro, daqui a muitos muitos anos. Assim se espera.
Desafio aliciante e estimulante de Arquitectura, o Centro foi-o também da investigação das formas e dos processos de integração da especificidade de "novos" temas, como o da Acessibilidade e o da Sustentabilidade, no que, indefinidamente, procuramos definir como… Arquitectura. Só. Sem rótulos. Sem acrescentar adjetivos que apenas a reduzem. Nem “ambiental”, nem “verde”, nem “acessível”, nem “inclusiva”, nem “sustentável. A verdadeira Arquitetura, para o ser, é tudo isto, e muito mais.
Quanto a este projeto, para além de terminar a obra, apenas falta aquilo pelo qual, penso eu, os arquitetos efetivamente trabalham. Os utilizadores da sua obra.
“Álvaro Fernandes Andrade, professor na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, e intervindo neste projeto como partner da spacialAR-TE e Diretor do Departamento de Projetos da m.pt ®”